TDAH: Muito Além da Distração – Um Guia para Entender a Mente que Nunca Para.
- Priscila Stacul

- 23 de set.
- 6 min de leitura

Você já teve a sensação de que seu cérebro é um navegador de internet com 50 abas abertas ao mesmo tempo? Uma está tocando uma música, outra tem um artigo que você começou a ler, uma terceira é a lista de compras, e de repente... uma notificação de esquilo!

Se essa imagem parece familiar, bem-vindo ao universo do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Por muito tempo, o TDAH foi o "transtorno da criança que não para quieta". Hoje, sabemos que ele é muito mais complexo, sutil e persistente, afetando adultos de todas as idades de maneiras profundas. Como psicóloga, meu objetivo aqui é desmistificar o TDAH, indo dos critérios formais dos manuais até as experiências vividas que só quem tem (ou convive) realmente entende.
Vamos abrir essas 50 abas juntos, mas de forma organizada. Prometo.
O que Dizem os Manuais? O Diagnóstico Formal do TDAH
Para um diagnóstico ser levado a sério, ele precisa seguir critérios bem definidos. Na saúde mental, nossas "bíblias" são o DSM-5-TR e a CID-10. Eles garantem que um diagnóstico de TDAH em São Paulo seja baseado nos mesmos princípios que um em Nova York.
1. O DSM-5-TR (O Detalhista)
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª Edição, Texto Revisado é o guia mais usado por psiquiatras e psicólogos. Ele divide o TDAH em três apresentações: predominantemente desatenta, predominantemente hiperativa/impulsiva ou combinada.
Para o diagnóstico, é preciso apresentar um padrão persistente de seis ou mais sintomas (cinco para maiores de 17 anos) em uma das categorias abaixo, por pelo menos seis meses, de uma forma que atrapalhe a vida.
Sintomas de Desatenção (As "50 abas abertas"):
Falha em prestar atenção a detalhes: O famoso "comer mosca" em um e-mail importante.
Dificuldade em manter a atenção: A mente pula de um assunto para o outro sem pedir licença durante uma reunião ou conversa.
Parece não escutar quando falam com ele: Você está lá, mas seu cérebro foi passear.
Dificuldade em seguir instruções e terminar tarefas: Começa a organizar o guarda-roupa e termina montando um quebra-cabeça encontrado em uma gaveta.
Dificuldade com organização: A mesa de trabalho parece um campo de batalha pós-apocalíptico.
Evita tarefas que exigem esforço mental prolongado: Procrastinar a declaração do imposto de renda até o último segundo? Clássico.
Perde coisas necessárias: Chaves, celular, carteira... e a própria cabeça, se não estivesse presa ao pescoço.
É facilmente distraído por estímulos externos: O "esquilo!" que mencionei antes.
Esquece de atividades diárias: Esquecer de pagar uma conta ou do aniversário da sogra.
Sintomas de Hiperatividade e Impulsividade (O "motorzinho ligado"):
Inquietação com mãos e pés, ou se remexe na cadeira.
Levanta-se em situações em que deveria ficar sentado.
Corre ou sobe nas coisas em situações inapropriadas (em crianças) ou sente uma inquietação interna intensa (em adultos).
Incapacidade de brincar ou se engajar em atividades de lazer calmamente.
Está sempre "a todo vapor", como se estivesse "ligado no 220v".
Fala demais.
Responde perguntas antes que sejam concluídas: A ansiedade para falar é maior que a paciência para ouvir.
Dificuldade em esperar a sua vez.
Interrompe ou se intromete nos assuntos dos outros.
Ponto importante: Os sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos e causar prejuízos claros em pelo menos dois ambientes da vida (ex: em casa e no trabalho/escola).
2. A CID-10 (A Visão Internacional)
A Classificação Internacional de Doenças, 10ª Edição, da Organização Mundial da Saúde, tem uma abordagem um pouco mais rígida. Geralmente, ela exige a presença de sintomas tanto de desatenção quanto de hiperatividade/impulsividade para o diagnóstico (o que seria a apresentação combinada no DSM). A CID-11, mais recente, já se alinha melhor ao modelo do DSM-5.
Além do Manual: As Características do TDAH que "Todo Mundo Sente, Mas Ninguém Conta"
Aqui a conversa fica ainda mais interessante. Os manuais são ótimos, mas não capturam a totalidade da experiência humana. Profissionais e pessoas com TDAH relatam características que são tão ou mais impactantes que as listadas oficialmente.
1. Sensibilidade Sensorial: Quando o Mundo é "Alto Demais"
Você já se sentiu irritado com a etiqueta de uma camisa, com o zumbido da geladeira ou com a luz do supermercado? Pessoas com TDAH frequentemente possuem uma sensibilidade sensorial aguçada.
Hipersensibilidade: Sons, luzes, texturas e cheiros podem ser avassaladores. Um ambiente de escritório barulhento não é apenas uma distração; é fisicamente desconfortável.
Hipossensibilidade: Em outros casos, a pessoa pode precisar de estímulos intensos para se sentir "regulada", como ouvir música alta enquanto trabalha ou precisar de um abraço apertado.
Isso não é "frescura". É uma diferença real no processamento neurológico dos estímulos do ambiente.
2. Disforia Sensível à Rejeição (DSR)
Essa é a criptonita emocional de muitas pessoas com TDAH. A DSR é uma dor emocional extrema e quase insuportável que surge a partir da percepção de rejeição, crítica ou fracasso. Não precisa ser uma rejeição real; a mera possibilidade já dispara uma reação intensa, que pode ser:
Implosiva: Uma onda de tristeza súbita e profunda, levando a pessoa a se sentir inútil e sem valor.
Explosiva: Uma explosão de raiva direcionada à pessoa ou situação que causou a dor percebida.
A DSR explica por que muitos com TDAH são "people pleasers" (agradadores) ou evitam situações sociais e profissionais por medo de não corresponderem às expectativas.
Leia mais sobre DSR aqui.
3. Desregulação Emocional: A Montanha-Russa de Sentimentos
Se o TDAH tem um motorzinho para o corpo, ele também tem um para as emoções. A dificuldade não é sentir as emoções, mas sim regular sua intensidade e duração. A alegria é eufórica, a frustração é avassaladora, a tristeza é profunda. As emoções vão de 0 a 100 muito rápido, e frear essa montanha-russa exige um esforço hercúleo.
4. Hiperfoco: O Superpoder (com um Custo)
Sim, existe um "superpoder"! O hiperfoco é a capacidade de mergulhar tão profundamente em uma tarefa de interesse que o resto do mundo desaparece. Horas podem passar sem que a pessoa perceba, pulando refeições e ignorando o ambiente. É incrível para a produtividade... quando o foco está na coisa certa. O problema é que o hiperfoco pode ser direcionado para um videogame em vez do relatório para o chefe.
5. "Cegueira Temporal"
Pessoas com TDAH têm uma relação complicada com o tempo. Não é que sejam irresponsáveis; elas têm dificuldade em sentir a passagem do tempo. "Só mais 5 minutinhos" pode se transformar em uma hora. O futuro parece uma névoa distante e o passado, um borrão. Isso torna o planejamento de longo prazo e o cumprimento de prazos um desafio monumental.
Ok, me Identifiquei. E Agora?
Se você se viu em muitas dessas descrições, respire fundo. O primeiro passo é o autoconhecimento. O segundo, e mais importante, é procurar uma avaliação profissional qualificada.
Um diagnóstico de TDAH não é um rótulo, mas sim um manual de instruções para o seu cérebro. Ele valida suas dificuldades, explica por que tarefas "simples" para os outros são tão difíceis para você e, o mais importante, abre as portas para o tratamento eficaz, que geralmente envolve:
Psicoterapia: Especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que ajuda a criar estratégias práticas para organização, planejamento e regulação emocional.
Medicação: Quando indicada por um médico psiquiatra/neurologista, pode ser uma ferramenta poderosa para "acalmar as abas do navegador" e permitir que o cérebro funcione com mais clareza.
Mudanças no Estilo de Vida: Aprender a usar agendas, criar rotinas, praticar exercícios físicos e entender suas próprias necessidades sensoriais e emocionais.
Uma Mente Brilhante e Única
Como a Psiquiatra Ana Beatriz Barbosa diz, o cérebro do TDAH é como uma ferrari, muito rápida, mas com um condutor que não sabe dirigir. Essa combinação faz com que essa ferrari capote várias vezes. Viver com TDAH é como tentar reger uma orquestra em que cada músico quer tocar uma música diferente. É caótico, barulhento e exaustivo. Mas, com o maestro certo (você!) e as ferramentas adequadas (terapia, estratégias e, se necessário, medicação), essa orquestra pode criar a mais bela e criativa das sinfonias.
O TDAH não é um déficit de caráter, uma falha moral ou preguiça. É um jeito diferente de o cérebro funcionar. Um jeito que, quando bem compreendido e gerenciado, traz consigo uma imensa criatividade, paixão e uma capacidade única de pensar fora da caixa.
Se você se sente perdido em meio a tantas abas abertas, saiba que não precisa navegar sozinho. A ajuda profissional pode ser o mapa que você precisa para encontrar seu tesouro.







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